3 Poemas de Cintia Macena

Revista Tamarina - Redação
Revista Tamarina
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3 min readFeb 9, 2023

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Morte, Mr. Babies.

apostarás toda a tua vida? sim, apostarei toda a minha vida

entrar no amor como quem entra em uma roupa
tirar as asas das costas e vestir contigo as mesmas algemas e os mesmos grilhões
e então nos tornar presos pelos pulsos e pelos pés e pelo coração
como quem morre para tudo o que conheceu antes de nascer de novo
entrar no breu como quem abre as portas de um santuário pagão
comer todos os frutos proibidos da árvore que nos derrubará do paraíso
e então em sede beber do nosso sangue como última promessa
como quem desenha o mapa equivocado do próprio universo
entrar no desejo como quem afunda em um regaço que não cessa
escrever com a língua úmida poemas intraduzíveis nas tuas costas
e então das tuas mãos receber a única luz concedida aos que se escondem do céu
como quem reza no idioma raro que apenas os amantes podem decifrar
entrar no prenúncio do fim como quem entra em um mausoléu
saber que nele restarão todas as memórias de dois corpos que se amalgamaram
e então nos consumir até que no último minuto restem somente as nossas cinzas
como quem voltará a fertilizar a terra após viver tudo o que o ímpeto permitiu

olimpíadas da classe média

cite aqui a sua maior mágoa:

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então aparece outro dizendo que já teve uma muito pior
que sangrou pela rua com as tripas expostas
perdeu o filho os pais o cachorro
que a casa foi derrubada por um vendaval
e tem uma síndrome genética incurável
dito isso
em cada rua moram as mesmas pessoas
presas em corpos diferentes
um homem com barba dirá que você é imprudente
porque não compartilha sua vida com sua família
e só aparece para pedir dinheiro
uma mulher com filho no colo olhará para você com desespero
buscando se em suas mãos há uma chave
para o cativeiro que ela escolheu por vontade própria
a criança será tão ignorante do que acontece
quanto a avó que deixou de tentar compreender o passado
e preferiu viver em um asilo de doentes mentais
o cachorro ficará preso na área de serviço
engaiolado como os ratos de Skinner
angustiado pela hora em que poderá sair para o passeio
e se enfiar debaixo dos carros para nunca mais voltar
mas a hora do passeio jamais acontecerá

se você vaga por muito tempo
percebe que todos os rostos parecem muito compenetrados
buscando alguma solução para os vidros quebrados da redoma do mundo
enquanto estão sorrateiramente ocupados dentro de suas cabeças
pensando quando será a próxima temporada da sua série favorita na
Netflix

nenhum destino se faz ao andar para trás

dunas diáfanas se movendo soltas
pelo pátio da terra
tundras em que há hora de caminhar
e de deixar de caminhar
duas doses de si unidas
em nome de um destino
tutor és do gênio e da besta
que carregam o teu falar

dono de um dialeto em que tuas palavras
não mais dilaceram
turnos há em que é hora de dizer
e de fingir que não há o que dizer
danos então cedem aos opostos elãs
que em ti se fecham
tufos de sanidade se entrelaçam
construindo o teu fazer

duro dia em que o conflito se faz diálogo
dueto entre o medo e o desejo encerram este prólogo

tudo o mais diz tanto
quando turva o tato
tendo tua tarde
turbilhão de dúvidas
tumulto duelando
em túrgida dor
e teu dócil duplo
dorme mudo
dentro dos doidos tufões
que tutelam teu dia
datam dantes os dados
que te darão tudo

Revisão: Caroline Lima/Itaércio Porpino

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